terça-feira, 13 de agosto de 2013

"You say you want a revolution..."

Não adianta rebelarmo-nos violentamente, também não adianta esperar todo mundo mudar. A grande mudança tem que começar no íntimo de nosso próprio ser, de nossa própria consciência, transformando primeiro nossas ações cotidianas, determinando um fluxo de paz. Isso repercute ao nosso redor mudando padrões culturais. Assim se dá início a uma grande mudança. Queremos uma revolução?! Comecemos por cada um de nós! O efeito disso pode ser surpreendente. A paz, a não violência, o cultivo das boas ações já alçaram ideais considerados impossíveis em outras situações.
Leiamos Marx, é um sábio autor, sim! Mas leiamos também Tolstoi!
Conheçamos a história do Che, que foi, sem dúvida, um grande herói! Mas não nos esqueçamos de conhecer a fundo também a história de Gandhi, Luther King, Mandela!


Sabedoria de Tolstoi:


"[...]  É preciso que ele voe e procure outra habitação. Cada uma das abelhas sabe disto e deseja mudar esta situação, mas estão presas umas às outras e não podem voar todas juntas, e o enxame permanece suspenso. Parece que não haveria saída nem para as abelhas, nem para os homens presos na rede do conceito social, se cada um não fosse dotado da faculdade de assimilar o conceito cristão.Se nenhuma abelha levantasse voo sem esperar pelas outras, o enxame nunca mudaria de lugar, e se o homem que assimilou o conceito cristão não vivesse segundo este conceito, a humanidade nunca mudaria sua situação. Mas, como basta que uma abelha abra as asas e voe, para que uma segunda, uma terceira, uma décima, uma centésima, a sigam, e, assim, todo enxame levantará voo livremente; do mesmo modo bastaria que um só homem vivesse segundo os ensinamentos de Cristo para que um segundo, um terceiro, um centésimo seguissem seu exemplo, fazendo desaparecer o círculo vicioso da vida social, do qual não parece haver saída. Mas os homens acham esse método muito longo e buscam um outro que os possa libertar a todos de uma só vez. Seria como se as abelhas achassem muito demorado desprenderem-se uma a uma e quisessem que todo o enxame levantasse vôo de uma só vez. Mas isto é impossível, e enquanto a primeira, a segunda, a terceira, a centésima não abrirem as asas e voarem, todo o enxame permanecerá imóvel. Enquanto cada cristão não viver isoladamente segundo sua doutrina, as novas formas de vida não se estabelecerão. [...]"

Leon Tolstoi. In: O Reino de Deus Está em Vós. Editora Rosa dos Tempos. 2a. edição, p. 102.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Lembranças

Bem à maneira Charlie Kaufman, gostaria de deletar tudo! Ah, se assim fosse possível, e de uma vez por todas, libertarmo-nos de todas as lembranças daqueles que se fizeram amados por nós e nos abandonaram. Daqueles que nos desprezaram sem se darem conta de que nosso amor sincero e gratuito não pode ser encontrado a cada estação de trem.




Então, por que insistir tanto para que essas memórias continuem vivas, se não deseja acrescer a elas mais?!





Mais uma para nós bobos:

"Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer."

Clarice Lispector. In: A Paixão Segundo G.H.





terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Sobre o Amor


 "Ama-me quando eu menos merecer, pois será quando eu mais preciso!"
E amemos também aos outros em qualquer que seja a circunstância, como nos aconselham o provérbio sueco e o sábio Dickens, porque é de AMOR que este mundo precisa.




“Love her, love her, love her! If she favours you, love her. If she wounds you, ...love her. If she tears your heart to pieces – and as it gets older and stronger, it will tear deeper, – love her, love her, love her!”

Dickens, Charles. In: Great Expectations, New York: Wild Jot Press, 2009, p. 174.


"Amá-la, amá-la, amá-la! Se ela favorece você, amá-la. Se ela fere você, amá-la. Se ela rasga seu coração aos pedaços – e como ele fica mais velho e mais forte, vai rasgar mais profundamente, - amá-la, amá-la, amá-la!"

 




segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Parabéns, Charles Dickens!





"Ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de outra pessoa." C.D.


Charles Dickens soube vivenciar integralmente o que pregava, tanto que alivia o fardo me muita gente ainda hoje. Aliviou o meu também com suas deleitosas obras e sua história de vida inspiradora.

Parabéns, Charles Dickens, pela missão cumprida! Não só a Inglaterra, o mundo festeja o bicentenário de sua vinda ao mundo.






sábado, 4 de fevereiro de 2012

Das Vantagens de Ser Bobo



Cada vez que formos iludidos pela insensibilidade alheia, que possamos olhar bem lá no fundo de nós mesmos e percebermos a graça de não estarmos na infeliz posição daquele que despreza. Nem por isso nos tornaremos vítimas, pois, embora haja algum sofrimento em ser ludibriado, em nossa ingenuidade, ganharemos sempre mais que todos os espertos; afinal, nada vale mais nesse mundo que a capacidade inerente aos bobos de amar e perdoar.
É como dizia minha querida amiga Lídia: "Hoje, dizem, o mundo é dos espertos. Daquele esperto que não compreende ter a capacidade evidente de ajuda ao outro, sem a consciência do proprio mérito."



Sabedoria de Clarice:
"O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo."

Clarice Lispector. Das Vantagens de Ser Bobo. In: Aprendendo a viver, EDITORA ROCCO, 2004, p. 166-8.






"O quadro feito pelo artista russo Marc Chagall, foi dado como presente de casamento para sua primeira namorada e seu grande amor. No quadro Vaca Amarela via-se ao centro uma vaca que para o artista judeu era o símbolo da vida. O amarelo simbolizava a alegria do momento íntimo e a criatividade que aflorava por estar verdadeiramente feliz ao se casar com sua grande musa."



quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Por que desvia o olhar?

"— E você, por que desvia o olhar?

(Porque eu tenho medo de altura.

Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarrá-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor.

Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)

— Ah. Porque eu sou tímida."

(Rita Apoena)

"Metáforas
Sobre o arrepio

O arrepio é quando,
por serem tão leves,
seus dedos conseguem,
em cada um dos meus poros:
soerguer uma flor."

(Rita Apoena)

"Metáforas
Quimeras

Quando ficar triste,
achando tudo mentira,
verá sonhos invertidos:
como imagens no espelho
mostrando por antônimos
o que o outro queria ter sido.

Não brigue: a verdade mais frágil
saberá dele."

(Rita Apoena)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Vale à pena viver!

TRÊS DIAS PARA VER

Por Helen Keller


O que você olharia se tivesse apenas três dias de visão? Helen Keller (1880-1968), uma mulher extraordinária, cega, surda e muda desde bebê, nos chama a atenção para a apreciação de nossos sentidos, algo que normalmente não percebemos. Apenas de posse do sentido do tato e uma perseverança inigualável, sob a orientação de Anne Sullivan Macy, Keller pôde aprender a ler e escrever pelo método Braille, chegando mesmo a falar, por imitação das vibrações da garganta de sua preceptora, as quais captava com as pontas dos dedos. O esforço de sua mente em procurar se comunicar com o exterior teve como resultado o afloramento de uma inteligência excepcional, considerada a maior vitória individual da história da educação. Ela foi uma educadora, escritora e advogada de cegos. Tinha muita ambição e grande poder de realização. Ao lado de Sullivan, percorreu vários países do mundo promovendo campanhas para melhorar a situação dos deficientes visuais e auditivos. É considerada uma das grandes heroínas do mundo. A Srta. Helen alterou nossa percepção do deficiente.

Publicado no Reader’s Digest (Seleções) há 70 anos.

Várias vezes pensei que seria uma benção se todo ser humano, de repente, ficasse cego e surdo por alguns dias no principio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silencio lhe ensinaria as alegrias do som.
De vez em quando testo meus amigos que enxergam para descobrir o que eles vêem. Há pouco tempo perguntei a uma amiga que voltava de um longo passeio pelo bosque o que ela observara. “Nada de especial”, foi à resposta.
Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tacto encontro centenas de objetos que me interessam. Sinto a delicada simetria de uma folha. Passo as mãos pela casca lisa de uma bétula ou pelo tronco áspero de um pinheiro. Na primavera, toco os galhos das árvores na esperança de encontrar um botão, o primeiro sinal da natureza despertando após o sono do inverno. Por vezes, quando tenho muita sorte, pouso suavemente a mão numa arvorezinha e sinto o palpitar feliz de um pássaro cantando.
Às vezes meu coração anseia por ver tudo isso. Se consigo ter tanto prazer com um simples toque, quanta beleza poderia ser revelada pela visão! E imaginei o que mais gostaria de ver se pudesse enxergar, digamos por apenas três dias.
Eu dividiria esse período em três partes. No primeiro dia gostaria de ver as pessoas cuja bondade e companhias fizeram minha vida valer a pena. Não sei o que é olhar dentro do coração de um amigo pelas “janelas da alma”, os olhos. Só consigo “ver” as linhas de um rosto por meio das pontas dos dedos. Posso perceber o riso, a tristeza e muitas outras emoções. Conheço meus amigos pelo que toco em seus rostos. Como deve ser mais fácil e muito mais satisfatório para você, que pode ver, perceber num instante as qualidades essenciais de outra pessoa ao observar as sutilezas de sua expressão, o tremor de um músculo, a agitação das mãos. Mas será que já lhe ocorreu usar a visão para perscrutar a natureza íntima de um amigo? Será que a maioria de vocês que enxergam não se limita a ver por alto as feições externas de uma fisionomia e se dar por satisfeita?

Por exemplo, você seria capaz de descrever com precisão o rosto de cinco bons amigos? Como experiência, perguntei a alguns maridos qual a exata cor dos olhos de suas mulheres e muitos deles confessaram, encabulados, que não sabiam. Ah, tudo que eu veria se tivesse o dom da visão por apenas três dias!
O primeiro dia seria muito ocupado. Eu reuniria todos os meus amigos queridos e olharia seus rostos por muito tempo, imprimindo em minha mente as provas exteriores da beleza que existe dentro deles. Também fixaria os olhos no rosto de um bebê, para poder ter a visão da beleza ansiosa e inocente que precede a consciência individual dos conflitos que a vida apresenta. Gostaria de ver os livros que já foram lidos para mim e que me revelaram os meandros mais profundos da vida humana. E gostaria de olhar nos olhos fiéis e confiantes de meus cães, o pequeno scottie terrier e o vigoroso dinamarquês. À tarde daria um longo passeio pela floresta, intoxicando meus olhos com belezas da natureza. E rezaria pela glória de um pôr-do-sol colorido. Creio que nessa noite não conseguiria dormir.
No dia seguinte eu me levantaria ao amanhecer para assistir ao empolgante milagre da noite se transformando em dia. Contemplaria assombrado o magnífico panorama de luz com que o Sol desperta a Terra adormecida. Esse dia eu dedicaria a uma breve visão do mundo, passado e presente. Como gostaria de ver o desfile do progresso do homem, visitaria os museus. Ali meus olhos, veriam a história condensada da Terra -- os animais e as raças dos homens em seu ambiente natural; gigantescas carcaças de dinossauros e mastodontes que vagavam pelo planeta antes da chegada do homem, que, com sua baixa estatura e seu cérebro poderoso, dominaria o reino animal.


Minha parada seguinte seria o Museu de Artes. Conheço bem, pelas minhas mãos, os deuses e as deusas esculpidos da antiga terra do Nilo. Já senti pelo tacto as cópias dos frisos do Paternon e a beleza rítmica do ataque dos guerreiros atenienses. As feições nodosas e barbadas de Homero me são caras, pois também ele conheceu a cegueira.
Assim, nesse meu segundo dia, tentaria sondar a alma do homem por meio de sua arte. Veria então o que conheci pelo tacto. Mais maravilhoso ainda, todo o magnífico mundo da pintura me seria apresentado. Mas eu poderia ter apenas uma impressão superficial. Dizem os pintores que, para se apreciar a arte, real e profundamente, é preciso educar o olhar. É preciso, pela experiência, avaliar o mérito das linhas, da composição, da forma e da cor. Se eu tivesse a visão, ficaria muito feliz por me entregar a um estudo tão fascinante.
À noite de meu segundo dia seria passada no teatro ou no cinema. Como gostaria de ver a figura fascinante de Hamlet ou o tempestuoso Falstaff no colorido cenário elisabetano! Não posso desfrutar da beleza do movimento rítmico senão numa esfera restricta ao toque de minhas mãos. Só posso imaginar vagamente a graça de uma bailarina, como Pavlova, embora conheça algo do prazer do ritmo, pois muitas vezes sinto o compasso da música vibrando através do piso. Imagino que o movimento cadenciado seja um dos espetáculos mais agradáveis do mundo. Entendi algo sobre isso, deslizando os dedos pelas linhas de um mármore esculpido; se essa graça estática pode ser tão encantadora, deve ser mesmo muito mais forte a emoção de ver a graça em movimento.
Na manhã seguinte, ávida por conhecer novos deleites, novas revelações de beleza, mais uma vez receberia a aurora. Hoje, o terceiro dia, passarei no mundo do trabalho, nos ambientes dos homens que tratam do negócio da vida. A cidade é o meu destino.
Primeiro, paro numa esquina movimentada, apenas olhando para as pessoas, tentando, por sua aparência, entender algo sobre seu dia-a-dia. Vejo sorrisos e fico feliz. Vejo uma séria determinação e me orgulho. Vejo o sofrimento e me compadeço.
Caminhando pela 5ª Avenida, em Nova York, deixo meu olhar vagar, sem se fixar em nenhum objeto em especial, vendo apenas um caleidoscópio fervilhando de cores. Tenho certeza de que o colorido dos vestidos das mulheres movendo-se na multidão deve ser uma cena espetacular, da qual eu nunca me cansaria. Mas talvez, se pudesse enxergar, eu seria como a maioria das mulheres – interessadas demais na moda para dar atenção ao esplendor das cores em meio à massa.
Da 5ª Avenida dou um giro pela cidade – vou aos bairros pobres, às fábricas, aos parques onde as crianças brincam. Viajo pelo mundo visitando os bairros estrangeiros. E meus olhos estão sempre bem abertos tanto para as cenas de felicidade quanto para as de tristeza, de modo que eu possa descobrir como as pessoas vivem e trabalham, e compreendê-las melhor.
Meu terceiro dia de visão está chegando ao fim. Talvez haja muitas atividades a que devesse dedicar as poucas horas restantes, mas aço que na noite desse último dia vou voltar depressa a um teatro e ver uma peça cômica, para poder apreciar as implicações da comédia no espírito humano.
À meia-noite, uma escuridão permanente outra vez se cerraria sobre mim. Claro, nesses três curtos dias eu não teria visto tudo que queria ver. Só quando as trevas descessem de novo é que me daria conta do quanto eu deixei de apreciar.
Talvez este resumo não se adapte ao programa que você faria se soubesse que estava prestes a perder a visão. Nas sei que, se encarasse esse destino, usaria seus olhos como nunca usara antes. Tudo quanto visse lhe pareceria novo. Seus olhos tocariam e abraçariam cada objeto que surgisse em seu campo visual. Então, finalmente, você veria de verdade, e um novo mundo de beleza se abriria para você.
Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que vêem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica aos outros sentidos. Ouça a música das vozes, o canto dos pássaros, os possantes acordes de uma orquestra, como se amanhã fossem ficar surdos. Toquem cada objeto como se amanhã perdessem o tacto. Sintam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se amanhã não mais sentissem aromas nem gostos. Usem ao máximo todos os sentidos; goze de todas as facetas do prazer e da beleza que o mundo lhes revela pelos vários meios de contacto fornecidos pela natureza. Mas, de todos os sentidos, estou certa de que a visão deve ser o mais delicioso.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Eu nunca serei pó

"Eu nunca serei pó
porque sou alma.
Sou espírito e em pó não me farei;
morrerá meu corpo e pouco importa
que vire pó a minha carne morta
se desta carne, livre, evolarei.

Eu nunca serei pó
porque sou alma !
A alma é luz, seja a luz negra ou dourada,
e luz não se rebaixa às sepulturas,
podendo ter seu brilho nas alturas,
ou mesmo lá num caos, abandonada.

Eu nunca serei pó
porque sou alma.
A carne é roupa, indumentária apenas
com que Deus veste qualquer ser etéreo
só para realizar do seu mistério
tantas e estranhas transações terrenas.

Eu nunca serei pó
porque sou alma.
Se a carne acaba no feral abismo
dessa soturna deusa de destroços
chamada Morte, vã silhueta de ossos,
a alma não na recebe em seu batismo.

Eu nunca serei pó
porque sou alma.
Sou poesia, amor, adoro a vida
e brilharei na música ou no verso
entre as estrelas claras do universo
quando da carne me encontrar despida."

(Alda Pereira Pinto)